domingo, 17 de janeiro de 2010

Bom dia, flor do dia, mas deve haver modos menos agourentos de se dispertar que com uma filha choramingando à cabeceira. E pelo visto, mais uma vez você veio sem os meus cigarros, que dirá os charutos. Que é proibido fumar aqui dentro eu sei, mas dá-se um jeito, também não estou lhe pedindo pra entrar no hospital com cocaína. Vou lhe contar como um belo dia, em Paris, seu avô resolveu me levar a uma estação de inverno. Papai era um homem de multiplos interesses, mas até entao eu desconhecia essa sua faceta esportiva. Aos dessete anos, segundo ele, já estava mais do que na hora de eu conhecer a neve, por isso enfrentamos uma longa viajem de trem até Crans-Montana, nos alpes suíços. À noite, nos demos entrada no hotel, munidos de botas e luvas e gorros de lã, pares de esquis e de bastões, todo o aparato. E eu já ia dormir quando papaime chamou ao seu quarto, sentou-se numa chaise longue e abriu o estojo de ébano. Mas o que é iss, meu Pai? É a neve, ora bolas, disse ele muito sério.Com uma mini-espátula separou o pó branquíssimo em quatro linhas, depois me passou um canudo de prata.Mas não se tratava dessa porcaria que idiota cheira por aí, era coaína da pura, que só tomava quem podia. Não travava a boca, a fome tirava a fome, nem brochava, tanto é verdade que em seguida ele mandou subir as putas.[...]

Começo do 7º capítulo de Leite Derramado, do Chico Buarque.

LEIAM.